Foi
o povo Viking que introduziu o bacalhau em Portugal por volta do século
X, os vikings vinham até ao território que actualmente constitui
Portugal continental para trocar o seu bacalhau por vinho e sal.
O estudo do sector e da indústria ligada ao bacalhau é apenas uma porta entreaberta para se conhecer o universo muito mais largo e complexo de todo o fenómeno económico-social das pescas.
As
pescas compõem um subsistema económico-social cujo equilíbrio está
sempre dependente da interacção dinâmica de diversas variáveis. Por este
motivo, ontem como hoje a economia das pescas tem a tendência para
submeter a produção à «dominação do mercado e aos poderes estabelecidos
em terra».[1]
A
História é no fundo um discurso metódico que tem como objectivo
interpretar o que muda nas sociedades humanas e discernir o que a elas
pertence. Assim sendo, o estudo da organização pública dos meios de
subsistência é uma forma de voltarmos a estudar a história da economia
num dos seus sentidos mais essenciais e básicos. Se o homem não
compreender as origens da sua subsistência em termos alimentares, ele
não poderá compreender muitos aspectos essenciais da sua identidade
cultural.[2]
Em
Portugal, quando nós falamos em Bacalhau, não se trata apenas de um
peixe, mas sim de uma história de amor única no mundo entre um país e um
alimento que nem sequer é originalmente seu.
No
mundo em que vivemos, é bastante difícil encontrar um povo que tenha
uma relação tão séria com um alimento que não é produzido nas suas
terras nem obtido nas suas águas. O Bacalhau é para o povo português
muito mais do que um mero peixe, é isso sim, uma instituição, um ícone
da cultura portuguesa e da gastronomia nacional e obviamente um
componente básico da alimentação tradicional portuguesa que ao longo dos
séculos foi adquirindo inúmeras formas de confecção.
O
romance entre Portugal e o Bacalhau iniciou-se na terra que hoje é
sinónimo de leitão. À época, Portugal como estado-nação ainda nem sequer
existia, mas foi precisamente na zona da Bairrada que o célebre povo
Viking começou a trocar o seu bacalhau pelo nosso vinho e sal por volta
do século X. Gradualmente o bacalhau foi-se inserindo nos hábitos
alimentares dos portugueses e o seu uso acabou por se transformar numa
tradição gastronómica que hoje é inegável.[3]
O
fenómeno que alguns autores hoje designam por «revolução do bacalhau»,
supondo o termo em si uma relativa unidade e universalidade, é todavia
plural e diferenciado tanto no tempo como no espaço.
A
revolução alimentar que emerge do processo de expansão da
economia-mundo europeia dos séculos XV e XVI oferece muitos exemplos de
alimentos que geraram intermináveis «fluxos de história». Em muitos
casos, estes alimentos acabaram por se transformar em verdadeiras
«opções civilizacionais». Assim sendo, o bacalhau à semelhança do
milho-maís foi uma das primeiras «invenções» da dieta alimentar europeia
da Idade Moderna. Não é portanto de admirar que alguns autores tenham
considerado o bacalhau como um dos principais factores por detrás da
duplicação da população europeia entre 1450 e 1650, isto devido acima de
tudo ao facto de o bacalhau ser uma fonte acessível de proteínas
animais numa época em que estas eram escassas na alimentação dos homens.
Para
além de tudo isto, um estudo mais aprofundado da «rota europeia do
bacalhau» dá-nos também um exemplo bastante elucidativo da forma como se
processaram historicamente a formação das economias de mercado.[4]
A
produção e o consumo de produtos do mar são domínios de enorme vantagem
e complexidade e por isso a inovação técnica neste campo é essencial. A
conjugação da salga e da secagem foi uma inovação técnica que veio a
permitir um processo simples e eficaz da conservação do bacalhau e assim
garantir a circulação em grande escala do mesmo. Ambas as referidas
técnicas desempenharam um papel importante na difusão das subsistências
do mar que até à Idade Moderna pouco penetravam nas regiões menos
próximas do litoral.
No
mundo antigo e durante a Idade Média o pastoreio teve na subsistência
dos povos mediterrânicos «um papel incomparavelmente superior ao da
pesca». Sem dúvida que havia uma enorme necessidade de peixe fresco,
fumado ou salgado, no entanto, os produtos do mar contarão pouco na
dieta dos europeus continentais até ao advento do transporte ferroviário
e das técnicas de conservação em «molhos» e pelo frio. Porém, bem antes
de chegarmos à época dos caminhos de ferro, a escassez de pão
resultante das crises de produção cerealífera nos campos e a acção das
prescrições religiosas do jejum e da abstinência, vão ajudar a fixar no
mundo mediterrânico e cristão a tradição multissecular do consumo de
bacalhau salgado seco. Este é consumido durante a Idade Moderna
principalmente pelos camponeses e pelas gentes humildes das cidades. Por
outro lado, vai-se verificar uma relativa coincidência da distribuição
geográfica das salinas com as fronteiras da Cristandade e com os países
da Europa do Sul e isto explica também em parte a difusão do bacalhau
salgado seco nas referidas regiões.
Por
todas estas razões o bacalhau salgado seco será durante séculos uma
subsistência considerada indicador de condições modestas de vida e um
elemento fundamental de compensação da pobreza proteica das dietas
mediterrânicas. [5]
Devido
ao facto de as antigas técnicas da salga e da secagem nunca terem sido
praticadas em tão grande escala anteriormente à «revolução do bacalhau»,
acabou por se poder definir um produto e em seu torno um mercado muito
lucrativo: o «mercado internacional de bacalhau salgado seco».[6]
O nome de bacalhau deriva do latim baccalaureu, este vocábulo foi estudado de forma exaustiva por G. Viana que acabou por aceitar de forma provisória o étimo baccalaureu,
já proposto por Carolina Michaelis de Vasconcelos. Segundo a referida
autora, este termo cujo significado é bacharel não é caso único, pois ao
mesmo peixe também se chamava badejo, palavra que vem do diminutivo
espanhol de abad, abade. Por sua vez, curadilo é outro
nome que se dá ao bacalhau em espanhol e esta palavra provém de acordo
com Carolina de Michaelis, de cura, padre. G. Viana discorda desta
opinião e considera que na realidade curadilo provém de curado
que é um particípio passado do verbo curar – conservar por meio do fumo,
sal ou exposição solar -, o qual depois de se adjectivar, se
substantivou.[7]
Há, no entanto, outros autores que defendem que bacalhau é uma palavra que terá derivado do neerlandês Kabeelauw, bakeljauw,
mas esta hipótese é altamente improvável, devido ao facto do
vocabulário neerlandês ser demasiado longo para ser primitivo e por
outro lado, G. Viana explica-nos que foram os portugueses e espanhóis
que primeiro tiveram contacto com o bacalhau e não o povo neerlandês.
Também
é certo que o vocábulo bacalhau não se encontra com esta ou outra
fórmula parecida, nem no groenlandês, nem no esquimó, nem em qualquer
idioma falado pelos índios da América do Norte, povos que do ponto de
vista geográfico sempre foram mais próximos do bacalhau.
De
resto, o que se pode dizer é que a origem do nome bacalhau não está por
enquanto, suficientemente esclarecida e possivelmente nunca o será.
A
bacalhau é especialmente apreciado em Portugal, onde é consumido na
forma salgada seca. O Brasil, para onde o gosto por este peixe foi
levado pelos portugueses, é um dos maiores importadores a nível mundial,
mas infelizmente o bacalhau no Brasil é vendido a preços proibitivos
para o típico consumidor brasileiro. O bacalhau também é consumido
frequentemente no Norte da Europa onde é apreciado sobretudo na forma
fresca ou congelada.
Como
já foi dito, a pesca do bacalhau contribuiu inegavelmente para a
formação e riqueza do Império Viking. No entanto, convém referir que o
«pai do bacalhau» pode ser considerado o mercador holandês Yapes Ypess
por ter sido ele que fundou a primeira indústria de transformação deste
peixe e foi pioneiro também na comercialização do mesmo. Um outro marco
histórico que vale a pena referir é que durante o século XIV na Holanda,
foi fundado um partido político que adoptou o nome de Bacalhau, algo
que deixa patente a importância deste peixe já na época. Também na
Gronelândia o bacalhau teve uma importância primacial, pois chegou a
substituir a moeda neste território.[8]
Notas:
[1] GARRIDO, Álvaro, Abastecimentos e Poder no Salazarismo: o “bacalhau corporativo” (1934-1967), Coimbra, FEUC, 2003, pág: 19-20.
[2] GARRIDO, Álvaro, Abastecimentos e Poder no Salazarismo: o “bacalhau corporativo” (1934-1967), Coimbra, FEUC, 2003, pág: 21.
[3] CARVALHO, Pedro, B de Bacalhau, life&style, http://lifestyle.publico.pt/dicionario/298153_b-de-bacalhau, data da última consulta: 20/12/2011.
[4] GARRIDO, Álvaro, Abastecimentos e Poder no Salazarismo: o “bacalhau corporativo” (1934-1967), Coimbra, FEUC, 2003, pág: 24-27.
[5] GARRIDO, Álvaro, Abastecimentos e Poder no Salazarismo: o “bacalhau corporativo” (1934-1967), Coimbra, FEUC, 2003, pág: 28-32.
[6] GARRIDO, Álvaro, Abastecimentos e Poder no Salazarismo: o “bacalhau corporativo” (1934-1967), Coimbra, FEUC, 2003, pág: 33.
[7] MARÍLIA, Abel; CONSIGLIERI, Carlos, O Bacalhau Na Vida e Na Cultura dos Portugueses, Academia do Bacalhau, Lisboa, 1998, pág: 30.
[8] MARÍLIA, Abel; CONSIGLIERI, Carlos, O Bacalhau Na Vida e Na Cultura dos Portugueses, Academia do Bacalhau, Lisboa, 1998, pág: 30-31.
João José Horta Nobre
Dezembro de 2011